segunda-feira, 16 de junho de 2008

A propósito de propósito

Você há de me entender. Não é simplesmente que eu me ache melhor do que os outros, dado que há uma série de coisas que eu queria saber e/ou fazer e sou incompetente para tal: saltar com vara, ou dançar, ou entender a poesia vanguardista de Ezra Pound. É como uma função social.
Algumas pessoas precisam disso, um empurrão, um estímulo, então é como se eu me propusesse a ser um tombo voluntário. E olha, este lugar é o meu trabalho, é daqui que eu tiro dinheiro para pagar as contas, e cá estou, arriscando tudo para tentar ajudar àqueles que necessitam desabar olhos por sobre páginas que lhes sejam um novo estímulo. Serei eu tão criminoso por desejar que, ao invés de best-sellers desprovidos de beleza intelectual, abram-se Dostoievskis nas leituras apressadas no metrô?
A propósito de Dostoievski, Ernesto. Gordinho, camisas de gola pólo azul-geladeira-dos-anos-80, óculos estúpidos e ares de paulista típico. Procurando Sidney Sheldon. Um enfermo.
Devo tê-lo tratado com uma atenção que lhe era inédita, vide sua satisfação ao pagar 42 reais na edição de A Ira dos Anjos, obviamente trocada por O Idiota, traduzida direto do russo, por Paulo Bezerra.
Voltou em duas semanas e, ao que me preparava para as reclamações de praxe – nesse tipo de empreitada, normalmente, o cliente volta se for reclamar. Ou some. Alguns já tentaram me agredir. Ossos do oficio, sabe como é, bem, enfim.
Queria outro livro. Sidney Sheldon, “daquele jeito”, sim, ele disse isso, com olhos vibrantes e sorriso ternamente psicopata. Céus.
A cada duas semanas, lá estava Ernesto, olá, Sidney Sheldon, “daquele jeito”, sempre trocado por Dostoievski. Nunca falou nada além. Nunca puxou assunto. Nunca pagou com débito automático, sempre dinheiro, puxado de um bolso lateral, normalmente o direito, com as notas sendo orgulhosamente desamassadas em cima do meu balcão.
Aquilo tinha de ter um fim, até porque a obra completa de Sheldon/Dostoievski/tradução direta do russo estava já por um quase.
O Outro Lado da Meia-Noite, ele pediu. Entreguei o livro, conteúdo intacto. Ele iria perceber, reclamaria, me daria uma porrada, entenderia a piada, passaria direto – não, não creio – falaria que o fiz um bem, me louvaria como seu tutor literário. Algo, que seja.
Ernesto nunca mais apareceu na loja. Era um sinal. Deveria eu continuar minha missão, num silêncio de herói torto, anônimo, nas glórias de um caminho que eu criei, e de louros de vitória que eu nunca receberia, porque era isto parte do meu êxito.

3 comentários:

Alice disse...

pseudo-intelectualismo... as pessoas acham que você está na moda.

Anônimo disse...

sabe como é, bem, enfim



te ouvi falando

Anônimo disse...

cadê, Theo?