quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O livro de capa.


E você deve estar se perguntando: mas como afinal esse cara ganha dinheiro? Sim, porque, deixemos claro, essa história toda de pai holandês, irmão inglêsgordopeludoeviadomorandonosestadosunidosdaamérica, bom, é só um acidente da globalização desenfreada. Ou das andanças sem rumo do meu pai. Mas a primeira hipótese soa mais séria, madura e analítica. Ou seja, fica bonito de contar na mesa do bar.

Meu pai, bom, hoje é um simpático senhor arranhando a casa dos 60 anos, de mechas acidentalmente alaranjadas, que lembram que aquele cabelo já foi ruivo um dia. Assim como ele já foi hippie, levantador de vôlei e dono de uma seguradora, não nessa ordem. Ou sim, quer dizer, ele jogava numa época onde a coisa toda não era tão profissional, e largou a vida quando ouviu Jimi Hendrix, e voltou quando o sonho e as drogas acabaram, e só não participou da Olimpíada de Munique, em 1972, vejam só, porque o time holandês não foi aos jogos. Ok, ele era reserva, mas seria uma boa história.

E então ele foi pra Inglaterra, viveu três anos com a Eleanor, mãe do Rory, uma mulher que nunca conheci, mas que, pelas fotos, parece a Susan Sarandon. Veio para o Brasil em 1977, conheceu minha mãe, que era secretária do Mackenzie, sim, a Universidade. O resto é o óbvio.

Ahm...ah, sim, isso tudo para dizer que não somos o que se pode chamar de uma família necessariamente abastada, e que eu trabalho porque preciso da grana, e que fora a casa onde moro, não terei herança nenhuma a receber.

Ganho dinheiro vendendo livros por metro. Imagine senhoras que já atravessaram a era balzaquiana há algumas décadas, mas que mantém firme o desejo de ter uma casa nos moldes de uma novela das oito (aquela, que passa às nove, é...). Que querem livros na estante, mas não calhamaços desorganizados e com lombadas desiguais – ou seja, que foram efetivamente lidos. Desconfie de organizações simétricas de livros.

“Quero dois metros de livros verde-bandeira”.

“Ah, andou trocando as cortinas, dona Gertrudes?”

É mais ou menos isso, e acredite, dá uma grana surpreendente. O que me põe sempre à caça de enciclopédias Barça, coleções de capa dura, bordada, lombadas com motivos clássicos e afins.

Nem se atreva a perguntar se eu troco os conteúdos. Ninguém vai ler aquilo, não seja estúpido. Seria como querer trocar o recheio dos sete volumes de Harry Potter pelos de Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. Com o advento da Internet, a molecada toda já vem sabendo o que vai encontrar. Meu foco de salvação são as almas perdidas, dos corpos que perambulam em busca de páginas que lhes sejam um novo respiro e que, sem o devido discernimento, vem à procura de uma Zíbia Gasparetto. É aí que Garcia Márquez vem lhes dar a mão.