terça-feira, 26 de maio de 2009

Para não dizer que eu não falei de...amar para caraleo


“Tô namorando”.
“Alô? Bom dia pra você também, Rory”.
“Você não sabe, ele é lindo, e inteligente, e gostoso, e juro, másculo, e geek! Nada daquele tipo viadinho de porta-de-balada”.
“Rory, porra...são seis e meia da manhã”.
“E daí, aqui são cinco e meia! E eu tô te ligando pra dizer que encontrei o homem da minha vida!”.
Bom dia. Rory me acordou seis e meia da manhã pra dizer que encontrou o grande amor da sua vida. Informação falsa, creio, dado que não existem indícios de que sua vida se acabe na semana que vem.
Hoje Raquel estará na loja. Três dias antes do último dia útil do mês ela está lá, sempre. Cabelo vermelho encaracolado estilo tubo lembrando deveras a Margie Simpson, é fumante, mas não muito, alcoólatra, mas só se tiver platéia . É, segundo ela, “escritora em movimento”, porque nunca publicou nada, mas sempre acha que está por um pentelho de fazê-lo. A propósito de pentelhos, e de publicação, diz que conhece vários dos novos bons escritores da literatura nacional, e que já deu para quase todos eles. Têm crises de silêncio repentino, irritantemente típicas e até compreensíveis, caso ela ainda tivesse 16 anos e estivesse querendo chamar a atenção da galerinha do colééééégzio, o que não é o caso. Invariavelmente fica putadavida comigo, por não dar um fio de pentelho, literal ou figurativamente, de atenção às suas introspecções devastadoras como café frio no estômago e em velocidade de almoço fast-food. Logo, a grande depressão de três dias antes do último dia útil do mês dura até o momento em que coloco a trilha de Pulp Fiction para tocar, momento no qual ela se levanta do balcão de onde estava por hora sentada e em vias de um colapso nervoso (segundo ela) e atende com atenção quase perniciosa os clientes da loja, tal qual fosse dedicada trabalhadora em primeiro dia de emprego nesse recinto (segundo eu).
Odeia Carolina, o doce e a menina.
Que vem aqui todas as terças-feiras. Que de primeira sempre bola rimas. Um doce de Carolina.
Até a hora em que encho o saco e mando ela parar.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Palmas para o ladrão


“Passa a grana aê mâno”.

Eu, em profunda e sincera incredulidade “Ahn?!”

“Vai cara, dá essa jaqueta aê!”

Definitivamente, em qualquer ramo de atividade, além de uma parcela efetiva de esforço e competência, é necessário ter sorte. E esse cara não teve. As coisas estavam ruins, eu tinha acabado de trancar a faculdade (por absoluta falta de motivos estimulantes em nível suficiente para continuar com aquilo), minha vida afetiva andava digna de risos e chovia de fazer brotar fios d’água pelas orelhas. O cara escolheu justamente a mim no meio de um sem-número de pessoas que aguardavam o ônibus.

“Amigo, na boa, não tenho dinheiro, meu dia está ruim...o teu tênis é melhor que o meu, cara”.

Fez cara de estranhamento, coçou o cucuruto e prosseguiu “mano, cê tá tirando?!?!”
“Tirando? Mas eu nem coloquei nada, como já tô...enfim, sai fora cara, não tenho nada”.

“Aê maluco, na humildade, vô te lançá uma parada. Eu acabei de fugir da penitenciária X(nota do pretensamente assaltado: entenda X como algum lugar bastante provido de rebeliões e que passe toda hora nos jornais diários) e é melhorrr tu colaborááá”.

Crianças, o diálogo a seguir não é recomendável para seres providos de um mínimo senso de ridículo para com situações com algum grau de risco – ou seja, não faça isso porque você pode se fuder, ok?!
“Bom, vamos pensar. Você quer a minha blusa, certo?”

(junta sobrancelhas) “É.”

“Me diz uma coisa, de verdade: você está armado?”

(olhos engasgados) “ahm...não”.

“Mas...e um canivete, faca-de-cozinha, tampa de refrigerante...nada?!”

(sobrancelhas se fundindo) “nã...não”.

Respirei.
“AH, ENTÃO VAI TER QUE DAR MUITA PORRADA PRA LEVAR ESSA PORRA, CUZÃO!!!!!”.

Falei isso com um nível de decibéis e ignorância que os transeuntes e aqueles que, como eu, aguardavam o ônibus se viraram para olhar.

O pretenso-assaltante-fugitivo-mânohumilde-comtênismelhorqueomeu abriu lábios, fechou-os sem que palavra desabasse dali e, num derradeiro respingo de orgulho, sentenciou:
“Marquei tua cara ‘quatroolho’. Ainda te pego”.

“Ah, vá dar o cu pra quem tem tempo”. O povo em volta se pôs a rir. Mas o cara já tinha ido. E eu não perderia a piada para ser honesto com o pretenso ladrão.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O livro de capa.


E você deve estar se perguntando: mas como afinal esse cara ganha dinheiro? Sim, porque, deixemos claro, essa história toda de pai holandês, irmão inglêsgordopeludoeviadomorandonosestadosunidosdaamérica, bom, é só um acidente da globalização desenfreada. Ou das andanças sem rumo do meu pai. Mas a primeira hipótese soa mais séria, madura e analítica. Ou seja, fica bonito de contar na mesa do bar.

Meu pai, bom, hoje é um simpático senhor arranhando a casa dos 60 anos, de mechas acidentalmente alaranjadas, que lembram que aquele cabelo já foi ruivo um dia. Assim como ele já foi hippie, levantador de vôlei e dono de uma seguradora, não nessa ordem. Ou sim, quer dizer, ele jogava numa época onde a coisa toda não era tão profissional, e largou a vida quando ouviu Jimi Hendrix, e voltou quando o sonho e as drogas acabaram, e só não participou da Olimpíada de Munique, em 1972, vejam só, porque o time holandês não foi aos jogos. Ok, ele era reserva, mas seria uma boa história.

E então ele foi pra Inglaterra, viveu três anos com a Eleanor, mãe do Rory, uma mulher que nunca conheci, mas que, pelas fotos, parece a Susan Sarandon. Veio para o Brasil em 1977, conheceu minha mãe, que era secretária do Mackenzie, sim, a Universidade. O resto é o óbvio.

Ahm...ah, sim, isso tudo para dizer que não somos o que se pode chamar de uma família necessariamente abastada, e que eu trabalho porque preciso da grana, e que fora a casa onde moro, não terei herança nenhuma a receber.

Ganho dinheiro vendendo livros por metro. Imagine senhoras que já atravessaram a era balzaquiana há algumas décadas, mas que mantém firme o desejo de ter uma casa nos moldes de uma novela das oito (aquela, que passa às nove, é...). Que querem livros na estante, mas não calhamaços desorganizados e com lombadas desiguais – ou seja, que foram efetivamente lidos. Desconfie de organizações simétricas de livros.

“Quero dois metros de livros verde-bandeira”.

“Ah, andou trocando as cortinas, dona Gertrudes?”

É mais ou menos isso, e acredite, dá uma grana surpreendente. O que me põe sempre à caça de enciclopédias Barça, coleções de capa dura, bordada, lombadas com motivos clássicos e afins.

Nem se atreva a perguntar se eu troco os conteúdos. Ninguém vai ler aquilo, não seja estúpido. Seria como querer trocar o recheio dos sete volumes de Harry Potter pelos de Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. Com o advento da Internet, a molecada toda já vem sabendo o que vai encontrar. Meu foco de salvação são as almas perdidas, dos corpos que perambulam em busca de páginas que lhes sejam um novo respiro e que, sem o devido discernimento, vem à procura de uma Zíbia Gasparetto. É aí que Garcia Márquez vem lhes dar a mão.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

O passado da biologia pornográfica, com pormenores.


Talvez eu tenha faltado em pormenores passados; bom, a vida não foi assim tão desprovida de acontecimentos na época, e houve episódios de alguma diversão, no posterior das coisas. Digamos, ahm...enfim, eu peguei a Suzana, mas só muito tempo depois, em uma balada e situação singulares. Já não estudávamos mais juntos, e foi pura coincidência, estávamos os dois lá, e ela estava com o namorado, que na verdade eu nunca soube quem era. Porque enquanto eu dava uns amassos na namorada dele, o mesmo estava no outro andar do lugar, sentado de papo com amigos, e foi assim, por semanas, balada, eu dando uns catos na Suzana e o namorado dela no andar de cima.

Um dia falei pra ela “Eu desejei você durante todos os anos do colégio”, ao que ela respondeu prontamente “eu sei”. E disse que todos os amigos antigos com quem ela se encontrou conheceram o seu lado “vampira”, finalizando tal curso retórico com um chupão no pescoço que me deixou usando golas cacharrel por semanas. E aquilo me deprimiu um tanto, porque eu era mais um, e não parecia especialmente divertido. E no mesmo banheiro para o qual ela me arrastou e me fez um boquete bastante teatral, por assim dizer, horas e amigos e compras de emergência depois eu cheirava uma carreira de cocaína, pela primeira vez.

Guilhermina, até onde sei, casou com o tal Ricardo-de-telefonemas-trêmulos-e-reciprocidade e é isso, não a vi mais. E namorei um mês e meio com uma amiga dela, fanática por Caetano, menina prodígio que as professoras adoravam, e nosso namoro foi extremamente bem recebido pelos docentes, “namoro de jovens intelectuais”, o que meio que me deu no saco muito rapidamente. Ela me surpreendeu com sua compreensão madura por demais para uma menina de 16 anos, quando lhe disse “olha, não tô me sentindo bem, melhor a gente não ficar mais junto” com pronta e desconcertante resposta a quem esperava horas de negociação, sofrimento genuíno e final dramático “tá, tudo bem”. Procurei nunca pensar muito nisso.

Por fim, você sabe, sujeitos metidos a pretenso intelectualismo precoce (ou nerdismo) são alvo fácil das chacotas escolares, em especial dos esportistas e daqueles cujo boletim é todo pintado de comunista, sendo que por vezes tais características se juntam em um mesmo ser. Só que eu sempre fui linguarudo, e sempre ensaiei frente ao espelho umas respostas monstruosamente desconcertantes para essas situações. Como a perspicácia intelectual nunca foi o forte desses caras, normalmente o diálogo se dava da maneira que eu havia imaginado, tornando minhas respostas verdadeiros mísseis contra os egos esportistas alheios.

Ou seja, não foram poucas vezes em que passei bem perto de tomar uns socos na saída, por ter dado uma resposta atravessada a um desses, bem na frente dos colegas. Creio, inclusive, que sua dor esteja mais relacionada ao fato da vergonha pública do que a terem compreendido a mensagem.

O fato é que Douglas, o esportista marombado de boné-shorts-azul-marinho-e-respeito-na-roda-atlética (o cara venceu todos os torneios de vôlei e basquete e futebol e o caralho a quatro que disputou durante os três anos do ensino médio), enfim, esse tentou com todas as piadas que sua parca erudição conseguiu captar ao longo de uma vida, me sacanear uma vez que fosse. Ao passo que eu comi muito, mas muito a namoradinha dele, uma loirinha tremendamente piranha, que dava gostoso, com todas as caras e bocas de uma atriz pornô estadunidense.

Nunca entendi o porquê me dava, e nunca conversamos sobre. Não éramos da mesma sala. Passou um dia em casa, estava com problemas em Biologia, e não fazia sentido me procurar, eu odiava bichos, continuo odiando e só estudava para passar. Chegou, nada perguntou de platelmintos e começou a me chupar, ainda na sala. E passou a vir todas as semanas, e não falávamos, chegava, dava por horas a fio, pedia uma água quando acabávamos e ia embora. E se chamava Sheila, eu acho, nomezinho aliás, desculpem as amigas, bem de piranha. Sheilinha, por quê você quis dar pra mim, pode explicar?

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Alrededores


Não que fosse grande coisa, mas de fato ter um pai estrangeiro e morar sozinho aos quinze ajudavam a forjar um personagem no qual eu queria me enxergar na adolescência. Lá estava, óculos postos, sempre carregando muitos livros, sempre sentado na escada externa da quadra de esportes, cigarro em punho, joelhos flexionados, com aquele semblante típico de quem está a ler algo de extrema importância. Até haviam fumantes no colégio, debutando baforadas mas, ou eram intermitentes, ou eram parte do grupo que se escondia atrás do estacionamento pra queimar um baseado. Eu era o único fumante profissional da área.
Duas grandes paixões do período: Suzana e Guilhermina. Suzana era fácil, linda, falante e fã de Nirvana. Sempre de preto, cabelos imensos, foi ela quem me gravou uma fitinha na qual ouvi o Nevermind pela primeira vez. Guilhermina, bem lembro, chegou no segundo ano, e quando vimos o nome daquela estranha na lista afixada no mural, indicando as salas de cada um, um colega sentenciou “porra, oh só, GUILHERMINA. Com esse nome, deve ser feia pra caralho”.
Não era. Aliás, era, do alto dos meus dezesseis anos, a mulher mais bonita que eu já tinha visto. Pequenininha, olhos de curiosidade e uns peitos empinados de desafiar a Física, que arfavam a cada respiro e nos deixavam momentaneamente asmáticos,vestidos em uma blusinha regata azulada que rendeu porcentagem considerável das minhas punhetas até o período em que eu os conseguia lembrar.
Suzana ficou com Deco numa festa junina, dessas que a gente vai absurdamente arrumado e acaba se sentindo ridículo. Ok, apenas eu estava absurdamente arrumado, enfim. Ficou com ele na escada onde eu costumava ler, enquanto as caixas de som estouradas zuniam Catedral, da Zélia Duncan. Fui embora mais cedo, triturado, mas dizendo que tinha de ir porque ia passar na festa de um amigo. “Ah Theo, vai nos abandonar?” gritou Suzana, já devidamente pendurada no pescoço do Deco, um típico adolescente bem criado, bonito, que tirava notas ruins e todas as meninas adoravam. “Tenho que ir”. Fui pra casa, parei de ouvir Nirvana e comprei uma coletânea do Slayer, que larguei quando Guilhermina, fã de Silverchair, foi comigo buscar uns discos que eu tinha ganhado numa promoção de revista de rock, dessas onde você faz uma frase e as melhores são premiadas, você sabe, e ela foi comigo porque ficamos muito muito amigos e eu me apaixonei de quebrar os dentes, com direito à glória suprema de ser questionado um dia por Suzana “então, tá rolando alguma coisa com a Gui? Vocês estão sempre juntos!”.
Eu e Guilhermina, voltando pelo metrô Santa Cruz, engatando uma conversa sobre gostares. Qualquer conversa com ela era deliciosa, tinha idéias muito particulares, e eu sempre saia achando que estávamos um patamar acima do resto da humanidade em nosso entendimento. “Você gosta de alguém, assim, de pensar o tempo todo?”, perguntou. Tremi. É agora. Vou dar a chance dela avançar primeiro.
“Ah, bom, sim. Mas me diga você antes”.
“Quer que eu diga o que? O nome?”. Grudou olhos nos meus. É agora.
“É sim, ele tem um, não?”
Ricardo. É, Ricardo, não é da escola não, é primo do colega de sei-lá-quem. Ela disse, apaixonada de se confundir até pra atender telefone, e parecia recíproco.
Quis chorar de ódio mas, é, não parecia propício.
“E você?”
Ah, perdido por um, pau no cu.
“De você. Penso em você o tempo todo, escolho camisas e ensaio piadas e imagino diálogos nossos, onde você ri, decoro tudo que você diz, e como diz, pra pensar como você reagiria a cada coisa que eu dissesse.”
Ficou branca, azul, sem rumo, engoliu a seco e seus peitos arfaram e foi inevitável sentir tesão ainda que eu soubesse que o momento também não fosse o mais indicado. E chegou a Estação Sé, e descemos e nunca mais falamos sobre.
E, num arroubo de coerência, minha banda favorita passou a ser o Radiohead.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

A propósito de propósito

Você há de me entender. Não é simplesmente que eu me ache melhor do que os outros, dado que há uma série de coisas que eu queria saber e/ou fazer e sou incompetente para tal: saltar com vara, ou dançar, ou entender a poesia vanguardista de Ezra Pound. É como uma função social.
Algumas pessoas precisam disso, um empurrão, um estímulo, então é como se eu me propusesse a ser um tombo voluntário. E olha, este lugar é o meu trabalho, é daqui que eu tiro dinheiro para pagar as contas, e cá estou, arriscando tudo para tentar ajudar àqueles que necessitam desabar olhos por sobre páginas que lhes sejam um novo estímulo. Serei eu tão criminoso por desejar que, ao invés de best-sellers desprovidos de beleza intelectual, abram-se Dostoievskis nas leituras apressadas no metrô?
A propósito de Dostoievski, Ernesto. Gordinho, camisas de gola pólo azul-geladeira-dos-anos-80, óculos estúpidos e ares de paulista típico. Procurando Sidney Sheldon. Um enfermo.
Devo tê-lo tratado com uma atenção que lhe era inédita, vide sua satisfação ao pagar 42 reais na edição de A Ira dos Anjos, obviamente trocada por O Idiota, traduzida direto do russo, por Paulo Bezerra.
Voltou em duas semanas e, ao que me preparava para as reclamações de praxe – nesse tipo de empreitada, normalmente, o cliente volta se for reclamar. Ou some. Alguns já tentaram me agredir. Ossos do oficio, sabe como é, bem, enfim.
Queria outro livro. Sidney Sheldon, “daquele jeito”, sim, ele disse isso, com olhos vibrantes e sorriso ternamente psicopata. Céus.
A cada duas semanas, lá estava Ernesto, olá, Sidney Sheldon, “daquele jeito”, sempre trocado por Dostoievski. Nunca falou nada além. Nunca puxou assunto. Nunca pagou com débito automático, sempre dinheiro, puxado de um bolso lateral, normalmente o direito, com as notas sendo orgulhosamente desamassadas em cima do meu balcão.
Aquilo tinha de ter um fim, até porque a obra completa de Sheldon/Dostoievski/tradução direta do russo estava já por um quase.
O Outro Lado da Meia-Noite, ele pediu. Entreguei o livro, conteúdo intacto. Ele iria perceber, reclamaria, me daria uma porrada, entenderia a piada, passaria direto – não, não creio – falaria que o fiz um bem, me louvaria como seu tutor literário. Algo, que seja.
Ernesto nunca mais apareceu na loja. Era um sinal. Deveria eu continuar minha missão, num silêncio de herói torto, anônimo, nas glórias de um caminho que eu criei, e de louros de vitória que eu nunca receberia, porque era isto parte do meu êxito.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

pamonha

*
Uma lista imensa de gente que já fui. Graham Coxon, guitarrista do Blur; Jeff Buckley; Kevin Shields, o mágico das guitarras do My Bloody Valentine, que ficou surdo gravando um disco; o tecladista dos Autoramas (ok, eles não tem tecladista, mas eu tinha certeza que precisavam de um, as músicas pediam. E sabia que poderia fazer ali um trabalho incrível); Dave Krusen, primeiro baterista do Pearl Jam, porque impressiona.
Por fim, Ben Folds, pianista do Ben Folds Five. Daria um braço, ou os dois, para que aquela fosse a minha banda – pensando melhor, daria não, porque ficaria difícil de tocar piano sem eles e...ensaiei sozinho, me emocionei com as músicas, fiz setlists ideais, toquei no pátio minúsculo do colégio, porque não, a minha pretensão não era a de ser um rockstar, pelo menos não mais que a de provocar respeito e espanto dos colegas que me desprezaram largamente, durante todos aqueles anos estúpidos. Mas era, principalmente, para e por você menina. Para quem eu dediquei aquela música linda que te faria repensar em tudo o que você não nos permitiu viver, sua burra estúpida e linda, linda pra caralho sempre e mais quando sem graça com aquelas tuas mãos magrelinhas e suadas, pois que foi por você que eu me fiz acreditar que Selfless, Cold and Composed era a música que eu tinha feito para te arrancar um sorriso largo mas, e sempre com mas, você nunca haverá de entender e agora menos ainda porque foi embora, lá para a putaquepariu, com artifícios retóricos de se encontrar, num lugar e vida melhores e que te deixem no derrubar dos dias com aqueles olhos intermináveis, satisfeitos de existência, a mesma uma que eu imaginei poder te dar, na nossa casa de janelas largas paredes alaranjadas e piano, que eu compraria para aprender a tocar enquanto você lindamente lava a louça de pizza da noite anterior, a gente tava tão cansado né, estamos trabalhando demais ao menos, ah meu bem ao menos têm esse fim-de-semana NÃO porra nenhuma tem, porque você foi embora e eu fiquei aqui, olhos cravados no teto branco com as felicidades de uma vida que não vai descarrilhar, vivendo nesse quarto o mesmo dia muitas vezes.
(desenho por Fernanda Magalhães)