sexta-feira, 4 de julho de 2008

Alrededores


Não que fosse grande coisa, mas de fato ter um pai estrangeiro e morar sozinho aos quinze ajudavam a forjar um personagem no qual eu queria me enxergar na adolescência. Lá estava, óculos postos, sempre carregando muitos livros, sempre sentado na escada externa da quadra de esportes, cigarro em punho, joelhos flexionados, com aquele semblante típico de quem está a ler algo de extrema importância. Até haviam fumantes no colégio, debutando baforadas mas, ou eram intermitentes, ou eram parte do grupo que se escondia atrás do estacionamento pra queimar um baseado. Eu era o único fumante profissional da área.
Duas grandes paixões do período: Suzana e Guilhermina. Suzana era fácil, linda, falante e fã de Nirvana. Sempre de preto, cabelos imensos, foi ela quem me gravou uma fitinha na qual ouvi o Nevermind pela primeira vez. Guilhermina, bem lembro, chegou no segundo ano, e quando vimos o nome daquela estranha na lista afixada no mural, indicando as salas de cada um, um colega sentenciou “porra, oh só, GUILHERMINA. Com esse nome, deve ser feia pra caralho”.
Não era. Aliás, era, do alto dos meus dezesseis anos, a mulher mais bonita que eu já tinha visto. Pequenininha, olhos de curiosidade e uns peitos empinados de desafiar a Física, que arfavam a cada respiro e nos deixavam momentaneamente asmáticos,vestidos em uma blusinha regata azulada que rendeu porcentagem considerável das minhas punhetas até o período em que eu os conseguia lembrar.
Suzana ficou com Deco numa festa junina, dessas que a gente vai absurdamente arrumado e acaba se sentindo ridículo. Ok, apenas eu estava absurdamente arrumado, enfim. Ficou com ele na escada onde eu costumava ler, enquanto as caixas de som estouradas zuniam Catedral, da Zélia Duncan. Fui embora mais cedo, triturado, mas dizendo que tinha de ir porque ia passar na festa de um amigo. “Ah Theo, vai nos abandonar?” gritou Suzana, já devidamente pendurada no pescoço do Deco, um típico adolescente bem criado, bonito, que tirava notas ruins e todas as meninas adoravam. “Tenho que ir”. Fui pra casa, parei de ouvir Nirvana e comprei uma coletânea do Slayer, que larguei quando Guilhermina, fã de Silverchair, foi comigo buscar uns discos que eu tinha ganhado numa promoção de revista de rock, dessas onde você faz uma frase e as melhores são premiadas, você sabe, e ela foi comigo porque ficamos muito muito amigos e eu me apaixonei de quebrar os dentes, com direito à glória suprema de ser questionado um dia por Suzana “então, tá rolando alguma coisa com a Gui? Vocês estão sempre juntos!”.
Eu e Guilhermina, voltando pelo metrô Santa Cruz, engatando uma conversa sobre gostares. Qualquer conversa com ela era deliciosa, tinha idéias muito particulares, e eu sempre saia achando que estávamos um patamar acima do resto da humanidade em nosso entendimento. “Você gosta de alguém, assim, de pensar o tempo todo?”, perguntou. Tremi. É agora. Vou dar a chance dela avançar primeiro.
“Ah, bom, sim. Mas me diga você antes”.
“Quer que eu diga o que? O nome?”. Grudou olhos nos meus. É agora.
“É sim, ele tem um, não?”
Ricardo. É, Ricardo, não é da escola não, é primo do colega de sei-lá-quem. Ela disse, apaixonada de se confundir até pra atender telefone, e parecia recíproco.
Quis chorar de ódio mas, é, não parecia propício.
“E você?”
Ah, perdido por um, pau no cu.
“De você. Penso em você o tempo todo, escolho camisas e ensaio piadas e imagino diálogos nossos, onde você ri, decoro tudo que você diz, e como diz, pra pensar como você reagiria a cada coisa que eu dissesse.”
Ficou branca, azul, sem rumo, engoliu a seco e seus peitos arfaram e foi inevitável sentir tesão ainda que eu soubesse que o momento também não fosse o mais indicado. E chegou a Estação Sé, e descemos e nunca mais falamos sobre.
E, num arroubo de coerência, minha banda favorita passou a ser o Radiohead.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vai ser sacana assim lá nos livros do Marcelo Rubens Paiva. Desse jeito terei de incluir mais uma pílula em meu tratamento de literárioterapia intensiva.

Abs!