quarta-feira, 16 de julho de 2008

O passado da biologia pornográfica, com pormenores.


Talvez eu tenha faltado em pormenores passados; bom, a vida não foi assim tão desprovida de acontecimentos na época, e houve episódios de alguma diversão, no posterior das coisas. Digamos, ahm...enfim, eu peguei a Suzana, mas só muito tempo depois, em uma balada e situação singulares. Já não estudávamos mais juntos, e foi pura coincidência, estávamos os dois lá, e ela estava com o namorado, que na verdade eu nunca soube quem era. Porque enquanto eu dava uns amassos na namorada dele, o mesmo estava no outro andar do lugar, sentado de papo com amigos, e foi assim, por semanas, balada, eu dando uns catos na Suzana e o namorado dela no andar de cima.

Um dia falei pra ela “Eu desejei você durante todos os anos do colégio”, ao que ela respondeu prontamente “eu sei”. E disse que todos os amigos antigos com quem ela se encontrou conheceram o seu lado “vampira”, finalizando tal curso retórico com um chupão no pescoço que me deixou usando golas cacharrel por semanas. E aquilo me deprimiu um tanto, porque eu era mais um, e não parecia especialmente divertido. E no mesmo banheiro para o qual ela me arrastou e me fez um boquete bastante teatral, por assim dizer, horas e amigos e compras de emergência depois eu cheirava uma carreira de cocaína, pela primeira vez.

Guilhermina, até onde sei, casou com o tal Ricardo-de-telefonemas-trêmulos-e-reciprocidade e é isso, não a vi mais. E namorei um mês e meio com uma amiga dela, fanática por Caetano, menina prodígio que as professoras adoravam, e nosso namoro foi extremamente bem recebido pelos docentes, “namoro de jovens intelectuais”, o que meio que me deu no saco muito rapidamente. Ela me surpreendeu com sua compreensão madura por demais para uma menina de 16 anos, quando lhe disse “olha, não tô me sentindo bem, melhor a gente não ficar mais junto” com pronta e desconcertante resposta a quem esperava horas de negociação, sofrimento genuíno e final dramático “tá, tudo bem”. Procurei nunca pensar muito nisso.

Por fim, você sabe, sujeitos metidos a pretenso intelectualismo precoce (ou nerdismo) são alvo fácil das chacotas escolares, em especial dos esportistas e daqueles cujo boletim é todo pintado de comunista, sendo que por vezes tais características se juntam em um mesmo ser. Só que eu sempre fui linguarudo, e sempre ensaiei frente ao espelho umas respostas monstruosamente desconcertantes para essas situações. Como a perspicácia intelectual nunca foi o forte desses caras, normalmente o diálogo se dava da maneira que eu havia imaginado, tornando minhas respostas verdadeiros mísseis contra os egos esportistas alheios.

Ou seja, não foram poucas vezes em que passei bem perto de tomar uns socos na saída, por ter dado uma resposta atravessada a um desses, bem na frente dos colegas. Creio, inclusive, que sua dor esteja mais relacionada ao fato da vergonha pública do que a terem compreendido a mensagem.

O fato é que Douglas, o esportista marombado de boné-shorts-azul-marinho-e-respeito-na-roda-atlética (o cara venceu todos os torneios de vôlei e basquete e futebol e o caralho a quatro que disputou durante os três anos do ensino médio), enfim, esse tentou com todas as piadas que sua parca erudição conseguiu captar ao longo de uma vida, me sacanear uma vez que fosse. Ao passo que eu comi muito, mas muito a namoradinha dele, uma loirinha tremendamente piranha, que dava gostoso, com todas as caras e bocas de uma atriz pornô estadunidense.

Nunca entendi o porquê me dava, e nunca conversamos sobre. Não éramos da mesma sala. Passou um dia em casa, estava com problemas em Biologia, e não fazia sentido me procurar, eu odiava bichos, continuo odiando e só estudava para passar. Chegou, nada perguntou de platelmintos e começou a me chupar, ainda na sala. E passou a vir todas as semanas, e não falávamos, chegava, dava por horas a fio, pedia uma água quando acabávamos e ia embora. E se chamava Sheila, eu acho, nomezinho aliás, desculpem as amigas, bem de piranha. Sheilinha, por quê você quis dar pra mim, pode explicar?

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Alrededores


Não que fosse grande coisa, mas de fato ter um pai estrangeiro e morar sozinho aos quinze ajudavam a forjar um personagem no qual eu queria me enxergar na adolescência. Lá estava, óculos postos, sempre carregando muitos livros, sempre sentado na escada externa da quadra de esportes, cigarro em punho, joelhos flexionados, com aquele semblante típico de quem está a ler algo de extrema importância. Até haviam fumantes no colégio, debutando baforadas mas, ou eram intermitentes, ou eram parte do grupo que se escondia atrás do estacionamento pra queimar um baseado. Eu era o único fumante profissional da área.
Duas grandes paixões do período: Suzana e Guilhermina. Suzana era fácil, linda, falante e fã de Nirvana. Sempre de preto, cabelos imensos, foi ela quem me gravou uma fitinha na qual ouvi o Nevermind pela primeira vez. Guilhermina, bem lembro, chegou no segundo ano, e quando vimos o nome daquela estranha na lista afixada no mural, indicando as salas de cada um, um colega sentenciou “porra, oh só, GUILHERMINA. Com esse nome, deve ser feia pra caralho”.
Não era. Aliás, era, do alto dos meus dezesseis anos, a mulher mais bonita que eu já tinha visto. Pequenininha, olhos de curiosidade e uns peitos empinados de desafiar a Física, que arfavam a cada respiro e nos deixavam momentaneamente asmáticos,vestidos em uma blusinha regata azulada que rendeu porcentagem considerável das minhas punhetas até o período em que eu os conseguia lembrar.
Suzana ficou com Deco numa festa junina, dessas que a gente vai absurdamente arrumado e acaba se sentindo ridículo. Ok, apenas eu estava absurdamente arrumado, enfim. Ficou com ele na escada onde eu costumava ler, enquanto as caixas de som estouradas zuniam Catedral, da Zélia Duncan. Fui embora mais cedo, triturado, mas dizendo que tinha de ir porque ia passar na festa de um amigo. “Ah Theo, vai nos abandonar?” gritou Suzana, já devidamente pendurada no pescoço do Deco, um típico adolescente bem criado, bonito, que tirava notas ruins e todas as meninas adoravam. “Tenho que ir”. Fui pra casa, parei de ouvir Nirvana e comprei uma coletânea do Slayer, que larguei quando Guilhermina, fã de Silverchair, foi comigo buscar uns discos que eu tinha ganhado numa promoção de revista de rock, dessas onde você faz uma frase e as melhores são premiadas, você sabe, e ela foi comigo porque ficamos muito muito amigos e eu me apaixonei de quebrar os dentes, com direito à glória suprema de ser questionado um dia por Suzana “então, tá rolando alguma coisa com a Gui? Vocês estão sempre juntos!”.
Eu e Guilhermina, voltando pelo metrô Santa Cruz, engatando uma conversa sobre gostares. Qualquer conversa com ela era deliciosa, tinha idéias muito particulares, e eu sempre saia achando que estávamos um patamar acima do resto da humanidade em nosso entendimento. “Você gosta de alguém, assim, de pensar o tempo todo?”, perguntou. Tremi. É agora. Vou dar a chance dela avançar primeiro.
“Ah, bom, sim. Mas me diga você antes”.
“Quer que eu diga o que? O nome?”. Grudou olhos nos meus. É agora.
“É sim, ele tem um, não?”
Ricardo. É, Ricardo, não é da escola não, é primo do colega de sei-lá-quem. Ela disse, apaixonada de se confundir até pra atender telefone, e parecia recíproco.
Quis chorar de ódio mas, é, não parecia propício.
“E você?”
Ah, perdido por um, pau no cu.
“De você. Penso em você o tempo todo, escolho camisas e ensaio piadas e imagino diálogos nossos, onde você ri, decoro tudo que você diz, e como diz, pra pensar como você reagiria a cada coisa que eu dissesse.”
Ficou branca, azul, sem rumo, engoliu a seco e seus peitos arfaram e foi inevitável sentir tesão ainda que eu soubesse que o momento também não fosse o mais indicado. E chegou a Estação Sé, e descemos e nunca mais falamos sobre.
E, num arroubo de coerência, minha banda favorita passou a ser o Radiohead.