segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Palmas para o ladrão


“Passa a grana aê mâno”.

Eu, em profunda e sincera incredulidade “Ahn?!”

“Vai cara, dá essa jaqueta aê!”

Definitivamente, em qualquer ramo de atividade, além de uma parcela efetiva de esforço e competência, é necessário ter sorte. E esse cara não teve. As coisas estavam ruins, eu tinha acabado de trancar a faculdade (por absoluta falta de motivos estimulantes em nível suficiente para continuar com aquilo), minha vida afetiva andava digna de risos e chovia de fazer brotar fios d’água pelas orelhas. O cara escolheu justamente a mim no meio de um sem-número de pessoas que aguardavam o ônibus.

“Amigo, na boa, não tenho dinheiro, meu dia está ruim...o teu tênis é melhor que o meu, cara”.

Fez cara de estranhamento, coçou o cucuruto e prosseguiu “mano, cê tá tirando?!?!”
“Tirando? Mas eu nem coloquei nada, como já tô...enfim, sai fora cara, não tenho nada”.

“Aê maluco, na humildade, vô te lançá uma parada. Eu acabei de fugir da penitenciária X(nota do pretensamente assaltado: entenda X como algum lugar bastante provido de rebeliões e que passe toda hora nos jornais diários) e é melhorrr tu colaborááá”.

Crianças, o diálogo a seguir não é recomendável para seres providos de um mínimo senso de ridículo para com situações com algum grau de risco – ou seja, não faça isso porque você pode se fuder, ok?!
“Bom, vamos pensar. Você quer a minha blusa, certo?”

(junta sobrancelhas) “É.”

“Me diz uma coisa, de verdade: você está armado?”

(olhos engasgados) “ahm...não”.

“Mas...e um canivete, faca-de-cozinha, tampa de refrigerante...nada?!”

(sobrancelhas se fundindo) “nã...não”.

Respirei.
“AH, ENTÃO VAI TER QUE DAR MUITA PORRADA PRA LEVAR ESSA PORRA, CUZÃO!!!!!”.

Falei isso com um nível de decibéis e ignorância que os transeuntes e aqueles que, como eu, aguardavam o ônibus se viraram para olhar.

O pretenso-assaltante-fugitivo-mânohumilde-comtênismelhorqueomeu abriu lábios, fechou-os sem que palavra desabasse dali e, num derradeiro respingo de orgulho, sentenciou:
“Marquei tua cara ‘quatroolho’. Ainda te pego”.

“Ah, vá dar o cu pra quem tem tempo”. O povo em volta se pôs a rir. Mas o cara já tinha ido. E eu não perderia a piada para ser honesto com o pretenso ladrão.